As religiões cristãs e com destaque no Brasil, a Católica,
tem em suas escrituras sagradas, no caso, a Bíblia, registro do dia de Cinzas
como um convite a vida humilde e de simplicidade. No Livro de Jó: “Por isso me abomino e me
arrependo no pó e na cinza” Jó 42:6. “Lançou-me na lama e fiquei semelhante ao
pó e a cinza.” Jó 30:1, são algumas citações que remetem a simplicidade na
figura das Cinzas.
A Liturgia Católica, no Antigo Testamento tem várias menções
do dia de Cinzas como o início do período de preparação para a Páscoa, e nesse
período a penitência e conversão a Deus.
Além disso, a Igreja Católica inclui nas suas reflexões no
dia de Cinzas, e que embora em minha opinião não é a ideia de humildade, a
proposta da lembrança que somos pó e ao pó
retornaremos. A citação muito mais em torno de repreensão por conta do “pecado
original” está em Genesis: “Comerás
o teu pão com o suor do teu rosto, até
que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e em pó te hás de tornar.”
Genesis 3:19.
Mas, mesmo não sendo a principal ideia da Quarta de Cinzas,
a citação de “és pó, e em pó te hás de tornar” é sem dúvida a de maior impacto
em termos de provocação de reflexão.
Se todos voltaremos a ser pó, qual o sentido do intervalo
entre nossas fases de “pó”? O que é esse intervalo? O que devemos ser, fazer,
sentir? De que valerá esse período para nós e para outros?
Ainda em Jó uma provocação “Para uma árvore, há esperança;
cortada, pode reverder.” Jó 14:7 “Mas quando o homem morre, fica
estendido; mortal expira; onde está ele?”
Jó 14:10.
Não há muito o que discutir. De forma racional a escrita em
Jó “mortal expira” é talvez a melhor conclusão, de que na prática nada somos.
Aliás, nunca fomos e nunca seremos.
E por melhor que você se considere nesse período entre as
suas fases de pó, onde está a certeza de que você foi de fato o melhor que
poderia ter sido. Ai fica a pergunta: O que é ser o melhor nesse intervalo?
No período em que estamos “vivos” temos a impressão de que
todos que convivem conosco neste mesmo tempo são muito semelhantes a nós.
Assim, se somos o que consideram com pessoa do bem, entendemos que a maioria
assim também é. Nossa forma de pensar sobre os outros é fortemente influenciada
por aquilo que somos. E assim com essa nossa visão míope quando somos vítimas de situações opostas,
nosso sentimento de desilusão é muito forte e por vezes nosso pranto e
sofrimento simplesmente não acabam.
Somos é muito frágeis nesse período entre “pós” e mais do
que isso, pensamos que nunca teremos fim. Essa formatação de pensamento que nós
é imposta não nos permite entender o verdadeiro significado da pré fixação do
encerramento do nosso período e nos leva ao desperdício do precioso tempo que
nos foi dado.
Quando vemos notícias de morte, como o que ocorreu no
Sambódromo na Cidade de Santos, onde uma das vítimas que estava em frente a sua
casa, curtindo o desfile é atingida pelos fios de alta tensão e morre na hora,
fica um enorme ponto de interrogação e uma forte provocação do sentido da vida.
Essa vitima tinha 19 anos e com certeza muito sonhos. Para onde foram esses
sonhos?
No noticiário não há menção sobre a opção religiosa dessa
vitima, o que na prática não fez diferença quanto ao momento de sua morte. A impressão
é de que mesmo super religiosa, não teria tido direito a prorrogação, e por
outro lado se nem um pouco religiosa, o fato não foi uma antecipação de sua
morte.
Enfim, parece que a opção religiosa não lhe dará vantagens quanto ao
momento de morte.
E não só isso, também não há menção sobre o seu
comportamento e índole. Tenha sido ela boa ou má pessoa, teria morrido ali,
naquele momento nem mais, nem menos.
Assim, se não há influência nem de religião e nem de índole,
de que vale ser bom e religioso?
Essas questões sem respostas aparentes ou contundentes
permitem espaços para inúmeras respostas e justificativas. Algumas fanáticas,
outras céticas.
Eu me questiono muito quanto a isso, e não achei nenhuma
resposta convincente o suficiente, mas, em uma conversa sobre músicas com minha
amiga a Marta Cardoso, ela mencionou a
canção do grupo Pearl Jam, “I am mine”, e sem ela perceber, naquele instante
meus pensamentos viajaram na Filosofia onde encontrei uma alternativa nesse
espaço de dúvidas sobre o que é isso que está no intervalo entre nossas fases
de pó.
Em uma tradução livre destaco o intrigante trecho:
“Eu sei que nasci e eu sei que morrerei”
“O entre essas duas coisas, é meu”
“Eu sou meu”
Assim, minha vã filosofia, me leva a concluir: O que você
faz nesse intervalo de “pós” não é de ninguém, não é para ninguém, é somente
seu. Poderá ocorrer de ser útil para alguém, mas isso será um fato adicional,
mas não o principal. Mesmo que você decida dedicar todo o seu intervalo para
outros, ele será em essência somente seu.
- Registro aqui um abração para a Marta Cardoso.
- Foto extraída em www.arquidiocesebh.org.br
- Citações bíblicas, Bíblia Sagrada da Editora Ave Maria, 26º Edição.
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