A sexta feira santa é marcada por uma das mais emocionantes
cerimônias do cristianismo, em especial a celebrada na Igreja Católica. O
momento da morte de Jesus na Cruz é um dos mais emocionantes e certamente de
maior representação da força da fé Cristã, afinal depois de martírio, dor e
sofrimento, Jesus vencerá a morte e ressuscitará.
Mas, pouco antes de sua condenação a morte na cruz aparece
um personagem o Governador local Pilatos. Aquele que lavou as mãos e a
simbologia deste ato o transformou em marca de quem não quer assumir uma
responsabilidade.
Qual pecado, ou melhor, onde está o erro em não querer
assumir uma responsabilidade que conscientemente você sabe que não é sua. A
responsabilidade está por ai pairando nos ares e você a acolhe e a assume,
sabendo que não é sua, é assim que funciona? É assim que nos comportamos? Se
hoje não, então porque naquele momento deveria Pilatos assumir a libertação de
Barrabás e a condenação de Cristo sem ser ele o autor dessa sentença?
A atitude de Pilatos é tão distorcida na historia permitindo
liberdades poéticas como a de Ivan Lins em sua extraordinária canção “Daquilo
que eu sei” onde registra: “Só não lavei as mãos e é por isso que me sinto cada
vez mais limpo.”
Em rápida leitura e lembrança ao que consta nas escrituras
podemos aqui inferir que Pilatos se sujou ao lavar as mãos. Em minha opinião
esta é uma posição muito cômoda, pois acredito que o próprio Ivan Lins lavaria
suas mãos em situação semelhante, ou seja, em situação de assumir uma
responsabilidade que não é a sua.
Em Mateus 27, 24 Pilatos expõe a sua situação ao afirmar: “Sou
inocente do sangue deste homem.”
A ideia aqui não é julgar Pilatos e tão pouco defendê-lo, o
objetivo é destacar a incômoda situação na qual ele estava e que muitos de nós
já até passamos e tomamos atitude igual. Porém no momento do cerimonial
religioso o colocamos como mais um dos homens maus que contribuíram com a crucificação de Jesus.
Contudo, há um ponto de extremamente interessante no diálogo
entre Pilatos e Jesus, registrado no Evangelho de João 18, 37 “Perguntou-lhe então Pilatos: És,
portanto rei? Respondeu Jesus: Sim, eu sou rei. É para dar testemunho da
verdade que nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade, ouve a minha voz.
Disse-lhe Pilatos: QUE É A VERDADE?...”
Nas Sagradas Escrituras não consta essa resposta. Aliás,
esta parte do diálogo só está relatada por João. Não consta, em Marcos, Lucas e
Mateus.
Enfim, não há registro na Bíblia de uma resposta para a
pergunta de Pilatos “Que é a verdade?” E esta tem sido a principal dúvida do
homem desde que descobriu sua capacidade de pensar no que o cerca. De duvidar,
questionar e não simplesmente aceitar, embora isso talvez seja a tendência da
grande maioria dos humanos.
O curioso é se ver não somente na posição de Pilatos, mas
ter ao mesmo tempo sua dúvida. E assim mesmo, o considerar um vilão. Vilão esse
que tem forma de pensar e agir semelhante a nossa.
E o que é a verdade? O famoso grupo musical brasileiro, Titãs,
tem na abertura de uma de suas músicas no CD Acústico, a seguinte explanação: “Meu
pai me disse para nunca mentir, mas ele esqueceu de me dizer a verdade.” Aqui fica registrada a revolta do filho com a ausência da resposta da verdade o qual esperava ter de seu pai, seu ídolo, seu líder, a sua referência de vida.
Já mencionei, de forma bem influenciada por Descartes, de
que se penso, logo existo, então tudo o que penso pode ser verdadeiro. Então o
que sonho também o é? Então a verdade pode ser o que eu quiser e daí transmiti-la da forma que melhor for conveniente para mim e daí para conquistar territoriais é muito mais fácil que se possa imaginar. Então imagine, o quanto os diversos governantes que temos nos colocam suas verdades.
O que é a verdade?
É aquilo que nossos pais e avós nos
transmitem? É o que nossos professores nos ensinam? É o conteúdo das propagandas políticas? É que publicam no Facebook?
Para o Professor Peter Berger em seu livro Perspectiva
Sociológicas, publicado em 1963, cada geração é refém da geração anterior.
Assim, cada geração que nos antecedeu transmitiu um conceito da verdade. E a cada geração conforme os
interesses a verdade foi sendo calibrada, tratada, alinhada e trabalhada. Enfim
se uma verdade pode ser assim trabalhada então deixa de ser verdade.
A partir disso posso concluir que o que recebi como verdade
pode não sê-la. E assim com tantas outras gerações anteriores a nossa
igualmente reféns nem sabem e nunca souberam o que era verdade e o que nos
transmitiram é o mesmo que transmitimos as nossas gerações sequentes, que nada
mais é do que um monte de conceitos ajustados a nossos interesses e
conveniências e nem um pouco comprometidos com a resposta a pergunta de Pilatos.
Para George Hegel, filósofo alemão em seu livro Introdução a
História da Filosofia, publicado em 1816 destaca que o o homem demorou quase
2.000 anos para começar a pensar sobre o que o cerca.
E entendo que ainda estamos gatinhando em termos de
desenvolvimento dos nossos pensamentos, pois somos escravos de gerações
anteriores e como a verdade não é material é um conceito totalmente subjetivo
sem experimentos que o comprovem é portanto, sujeito a ajustes de forma a atender
os mais diversos interesses.
Nesse aspecto Elis Regina na canção “Como nossos pais” é
contunde ao cantar: “ Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo
o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como no os nossos pais”.
A verdade, se é que ela existe, permanece sem reposta para
Pilatos, para mim e para você. E a dor é
perceber que talvez essa resposta não exista e que a verdade em si também não
exista.
Um abraço a todos,
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